Me Aventurando no Garimpo – Rondônia/RO

Trabalhar no garimpo ao longo do Rio Madeira em Rondônia e Bolívia, nunca tinha sido a minha intenção e nem passado pela minha cabeça. Jamais teria essa idéia doida por conta própria. Na ocasião eu tinha 31 anos, quando o Wagner, um amigo meu de tempo de ginásio, me perguntou se eu queria ir com ele para Rondônia, trabalhar no garimpo, junto com o tio dele que era gerente de uma draga. O Wagner,  trabalhava na Prefeitura e tinha tirado na época uma licença prêmio de vários meses. A princípio ele iria com o cunhado Jair, que também era meu amigo de infância, mas como ele trabalhava no Cartório ficou impossibilitado, mas mesmo assim se ele tivesse disponível não iria.

Na época fiquei um pouco pensativo, mas resolvi ir.

A Saída

Saímos no mês de maio/1989 de Praia Grande-SP, com destino a Capital, e de  São Paulo-SP com a Viação de ônibus Andorinha rumo a Cuiabá-MT, onde lá passamos para outro ônibus de outra empresa com destino a Porto Velho-RO. Essa baldeação de ônibus demorou aproximamente 4 horas, o suficiente para dar uma passeada pelo centro da cidade.

Teve uma parada em Vilhena, que era um Posto de Vacinação contra a febre amarela. Vacina obrigatória para entrar no Estado de Rondônia. Era aquela vacina aplicada com pistola no braço. Eu já tinha tomado a vacina antes em Santos, mas não estava achando o comprovante, aí tive que tomar de novo.

Chegada a Rondônia

Chegamos em Porto Velho-RO, depois de mais de 2 dias dentro do ônibus e 3.045 km percorridos, em uma estrada horrível, cheia de buracos e perigosa. Ficamos uns 10 dias na casa do tio dele, (eu apelidava ele de Dô) aguardando chegar alguns equipamentos para a draga que estava quase concluída. Foi o tempo suficiente para conhecer a capital. Na época a cidade não tinha luz própria, era a base de gerador central que ficava ligado até as 22 h. Toda casa tinha que ter um gerador próprio e não era todos que tinha condição de comprar. Os bairros mais afastados do centro da cidade eram muito pobres, as ruas eram de terra com valetas, não tinha sistema de esgoto, acredito que devia ser uma das capitais brasileira mais pobres no quesito infra-estrutura, por outro lado as pessoas eram maravilhosas.

Com Destino ao Garimpo

Enfim, chegou o grande dia. O destino, garimpo. Saímos com a caminhonete quase cheia de mantimentos e material. O gerente Dô (apelido) foi dirigindo, o Wagner foi na frente com ele, e sobrou pra quem ir lá atrás! eu. O destino era a cidade Guajara Mirim-RO, onde ficava o garimpo Periquitos, o acesso foi pela BR 364, que vai para o Acre, estrada em perfeitas condições, hoje se tem relatos que não tem grandes manutenções desde a sua construção.

O gerente corria demais era na faixa de 130 km/h, era vento batendo na cara, e quando cansava de ficar em pé sentava em cima dos sacos de arroz, o meu medo era sair voando. Foram mais de 300 Km assim. Tinha que suportar com normalidade, jamais poderia demonstrar e passar a sensação de fraqueza, afinal estava indo para o garimpo, terra de ninguém.

Saímos da rodovia e entramos em uma estradinha bem ruinzinha de barro, para percorrer ainda, uma distância de aproximadamente 20 Km até o garimpo, tudo isso cercados de árvores enormes no meio do nada. Já estávamos na selva amazônica. Esse trecho era o mais perigoso, onde acontecia esporadicamente as emboscadas para roubo do ouro dos dragueiros. Graças a Deus estava sol, se tivesse chovendo provavelmente ficaríamos atolados.

Finalmente, o Garimpo

Já tinha visto o Rio Madeira lá em Porto Velho-RO, mas quando cheguei no garimpo fiquei deslumbrado com aquele visual, as dragas no meio do rio, os flutuantes onde têm os comércios um colado no outro, na margem do rio. Parecia uma cidadezinha, uma cena que só é vista pela televisão. Para quem gosta de viajar, a emoção é indescritível.

A draga era enorme, tinha 6 quartos na parte superior, e na parte de baixo, 1 banheiro, cozinha e 2 quartos maiores, que serviam para dispensa e o outro para guardar materiais e equipamentos. O resto era área operacional. Ela ficava parada no meio do rio através de uma poita (ancora).

A linguagem no garimpo tem muita gíria, e tinha que aprender o mais rápido possível, os mansos são os mais respeitados (manso é que tem experiência de garimpo) e eu era bravo (sem experiência nenhuma). Os donos de dragas não aparecem, eles fazem o investimento e ficam em suas cidades. O dono da nossa era de Goiânia-GO. Deixam a responsabilidade na mão do gerente, que é da confiança deles. Afinal, é o gerente que distribui as partes do ouro, inclusive a do dono.  O garimpo é reinado pela ganância, têm que ser uma pessoa de muita confiança, não é!! 

Os gerentes de dragas só contratavam os mansos, e tinha muita concorrência, os bravos não tinham vez. Afinal, o gerente não ia expor a equipe contratando um operador bravo. Pois, com o mau manuseio dos equipamentos e quebras, poderia perder toda a produção do dia. Os equipamentos eram caríssemos. Quem perdia, era o dono, o gerente, e os outros operadores. Se você por erro parar a produção, é constrangedor. O gerente teria que levar a peça, ou equipamento, para conserto em Porto Velho. Dependendo da peça, dois dias de conserto no mínimo, fora o contratempo da viagem. Ninguém quer perder e muito menos ensinar, então não podia errar. Caso contrário corria o risco de te empurrarem na água sem querer querendo, e admitir outro operador lá no barranco (tinha fila de manso, esperando uma oportunidade). O operador que conseguir uma vaga em uma draga é um privilegiado.

Cada draga tinha o seu sistema, a nossa equipe era composta do gerente, 4 operadores e 1 cozinheira. O gerente ganhava 20% da despesca (é quando lava o carpete para apuração do ouro), os operadores 5% e a cozinheira de 30 a 50 gramas de ouro por mês. A nossa cozinheira ganhava 8 salários mínimos fixos por mês. Quando eu soube, caraca!!, fiquei abismado. Pegavam só mulheres para para cozinhar, ganhavam bem porque ninguém queria ir. A mulher tinha que se virar sozinha, e ninguém ia comprar briga por ela. Você mulher, iria?  Muitas delas se prostituem por 50 gramas por programa, ou até menos, tem gente que pagava até mais. Tinha muitas cozinheiras jovens e bonitas, mas não podia nem pensar em olhar e muito menos cumprimentar, se quisesse ficar vivo. As vezes elas tinham, namorado, pretendentes, vai saber, não podia arriscar. O pessoal gastava muito com mulher. Dinheiro fácil vai embora fácil. As transações eram feitas tudo na base do ouro, caso não tivesse dinheiro. O duro era confiar nas balancinhas, e uma grama de ouro na época era um dinheirão.

A função do gerente era administrar a draga no geral, cuidar da reposição de peças, de materiais e alimentos, fazer a apuração do ouro no cadinho (queimador que elimina o mercúrio do ouro) e a divisão do ouro para os operadores. Era sossegado para ele, afinal quem fazia tudo era os operadores. O meu amigo Wagner não se adaptou ao sistema do garimpo ficou 20 dias e depois veio embora, pelos fatores existentes, de insegurança e chances de contrair a malária. Ficou difícil para mim, pois ele, era a única pessoa de confiança que eu poderia contar. E foi substituído por um do Maranhão.

Pensei também !! O que é que eu estou fazendo aqui!! Tudo pela aventura e a ganância do dinheiro. Tudo tem seu preço. O garimpo não é fácil. E na época eu já era contador!!

A Vida no Garimpo

As duas piores adversidades que eu encontrei, foram, a violência e a malária, foram 6 meses se precavendo disto. Trabalhava direto com camisa de manga comprida e calça, só usava bermuda na hora da despesca, porque tinha que mexer com água. Tudo isso num calor acima de 40 graus. Ô lugarzinho pra fazer calor, em pleno inverno brasileiro.

O trabalho no garimpo de draga, não requer muito esforço físico, como o de barranco, e tem um horário de trabalho bem flexível. O turno nosso era, 3 horas de trabalho e folgava 9 horas. Nessas horas de descanso você poderia fazer o que quiser, poderia pegar a voadeira (barco com motor de popa) e ir no barranco (margem), onde ficam os flutuantes de todos os tipos de comércios, bar, restaurante, farmácia, mercado, lojas de compra de ouro, prostíbulos e muitos outros.

Você poderia andar pela fofoca (são as dragas aglutinadas uma ao lado da outra), para conversar com outras pessoas de outras dragas. Eu não fazia nada disso. O garimpo não é brincadeira não, e nem lugar de fazer amizades. É perigoso ao extremo, não tem lei, e nem polícia, é a lei do mais forte. Se o peão não for com a sua cara, te mata e joga no rio. Não precisa nem matar é só empurrar na água, a correnteza forte faz o serviço. Não acredita né!! O rio Madeira é muito largo, embora você saiba nadar tem que ter um controle emocional muito grande para afastar o desespero e consequentemente conseguir chegar na margem.

A solução era evitar as confusões, e para isso, era ficar só na draga. O ruim é que nós ficávamos isolados do mundo, na época não tinha sistema de transmissão, não pegava rádio, televisão, nada. Por outro lado em 20 em 20 dias nós íamos para Porto Velho, vender o ouro. Tinha várias lojas e precisava procurar a que pagava melhor e depois depositar o dinheiro no banco.

A metade do rio Madeira pertence ao Brasil e a outra metade a Bolívia, nós trabalhávamos na parte da Bolívia. Duas vezes por semana íamos com a voadeira, pegar água potável na bica do lado da Bolívia, para todos beber durante a semana e usar na cozinha. Tínhamos uma caixa d’água na parte superior onde enchia através de bomba. Infelizmente era dessa água do rio, que nós tomávamos banho, a água era fervida e  tomávamos banho de balde. Ainda tínhamos que sorrir.

Já vi muita gente morta, boiando correnteza afora, se nas cidade grandes a polícia técnica demora uma eternidade, imagina no meio da selva, eles nem vão. A maioria morria por motivos de bebida, discussões, ou mexer com a mulher dos outros, que eram simplesmente as cozinheiras. Tinha operadoras mulheres também, raro, mais tinha.

Processo de Apuração do Ouro

Geralmente a gente fazia a despesca as 9 horas da manhã (despesca é a retirada do carpete para fazer o processo de apuração). Nós tínhamos 2 tambores cortados pela metade. Onde lavávamos o carpete ao inverso para cair o ouro e a terra que estão impregnados nele. Em seguida adicionava o azougue (mercúrio), e batia com uma espátula acoplada a uma furadeira potente, o ouro se ajuntava junto ao mercúrio. Jogava a água fora ficando só o que interessava, aquela bola cinza junto com o ouro. Só restava agora queimar no cadinho (queimador). O mercúrio se evaporava, ficando só aquela bola de ouro bruto de cor opaca. Aí era dividido o ouro 5% para cada operador. Esse processo era todo dia, sem parar, e todo dia tinha ouro para receber. É uma região muito rica em ouro, parece que não tem fim, tem até nas prainhas.

Primeiro vamos falar do processo de operação da draga. O ouro era retirado do fundo do rio em fagulhos e não em pepita, através de uma lança  longa de metal suportadas com cabos de aço. Na extremidade da lança ia uma peça em aço que servia para remover o fundo, chamado por eles de abacaxi (pelo formato), pesada e precisava de dois homens para carregá-la. O referido abacaxi funcionava através de sistema hidráulico e com  mangueiras resistentes. Tínhamos um motor Scania turbinado, e era o que fazia tudo funcionar, juntamente com outros motores auxiliares e com seus respectivos painéis e medidores de controle

O processo era remoer fundo através da lança,  e fazer a sucção do material para uma caixa de madeira  de aproximadamente de 3,5 X 2,5 com uma pequena inclinação e um carpete específico de garimpo.

A função principal era trazer para cima, a água, a terra e o ouro em fagulho, de forma controlada, para evitar que a água e terra lave o ouro do carpete.

Aí, é que entra o operador manso, experiente, que vai saber os trâmites corretos, vai controlar a proporção de água e terra para cima do carpete. O ouro é mais pesado que a terra e se acomoda nas entranhas do carpete se alojando lá no fundo. O operador tem que ter as técnicas, tem que saber a hora para tomar as decisões. O garimpeiro de draga é na verdade, um operador de máquinas.

Eu era bravão (inexperiente) tive que aprender as coisa tudo rápido, trabalhava junto no turno dos outros, em sete dias já tinha pego o macete de tudo. O duro era quando enrolava alguma coisa no abacaxi (peça que fica na extremidade da lança). Tinha que levantar a lança, andar em cima dela se equilibrando e segurando um cabo de aço com a mão esquerda, e a correnteza em baixo, com água densa e barrenta. Chegando lá, teria que sentar na ponta da lança, e sempre segurando o cabo de aço com a mão esquerda e com a mão direita ia fazendo a remoção, e sempre com a correnteza abaixo. Só saia dali quando conseguia desenrolar. Quem tinha problemas com torturas, estava lascado, porque tinha que abaixar a cabeça, em uma posição ruim, quase sempre era cabo de aço. Era de dia ou de noite. No seu turno era só você que tinha que resolver todos os problemas. Pensa que ganhar ouro era fácil, tinha os seus contratempos. Caiu no rio, já era.

Nesse tempo todo que fiquei nunca deu problemas nos motores e nos outros equipamentos.  Só uma vez, o abacaxi quebrou, e por ser peça única e sem reposição, a produção teve que parar por 2 dias.

Existia também as balsas, elas tinham uma estrutura bem menor e ficavam nos barrancos. Pegavam bem menos ouro, e os garimpeiros corriam mais riscos de contrair a malária. Já lá no meio do rio, o risco era menor.

Nós tínhamos um grupo fechado, com um pessoal maravilho, o gerente era de Porto Velho-RO, dois eram do nordeste, um japonês que era de Goiânia-GO e a cozinheira que era de Porto Velho-RO.

Chegou a Hora de Partir

Foram 6 meses sem fazer nenhuma amizade, quanto menos se envolver com as pessoas, mais você fica protegido e aumenta a probabilidade de ficar vivo. Não podia nem confiar na equipe de trabalho. O garimpo é a lei do cão. Para viver lá, você tem que deixar a sua personalidade em casa, juntamente com seu ego e a opinião própria. Fatores que com certeza, iriam gerar atritos e possíveis riscos, fazendo você nem voltar. Jamais poderia demonstrar fraqueza, tanto física, nos serviços e emocional. Eu tinha muitas, mas ninguém precisava saber. Foi assim que fui superando.

Tudo na vida é um aprendizado, que você pode fazer de forma arriscada ou sem emoções, vai do seu perfil. A vida é muito curta para expô-la em situações arriscadas e que a ganância do dinheiro não leva a nada. Não recomendo a ninguém fazer esta loucura por dinheiro. Existem outros métodos.

O garimpo tem que ser fechado sim, porque fere os direitos da integridade do ser humano, e degrada o eco-sistema. Vai tudo para o rio, os dejetos, combustíveis, e o pior de todos, o mercúrio, material altamente tóxico, Por ser ilegal o garimpo, o Governo não tributa um centavo e muito menos fiscaliza, o ouro tinha vários destinos, inclusive o de financiar drogas na Bolívia.

Nesse período de garimpo, não gastei com nada. Economizei tudo que ganhei. Apenas gastei com produtos de higiene pessoal, repelente, quite de remédios, (graças a Deus não usei nenhum, só pomadas), chinelo havaiana (vários – caía na água) e outras coisinhas. Alimentação era por conta do dono da Draga, tinha 5 refeições por dia, tinha muita fartura e não tinha miséria, comia melhor lá do que em casa, sério!! Café da manhã era bife com ovos no pão, no almoço duas misturas, legumes, refrigerante, frutas. A cozinha era livre, como se fosse em nossa residência, comia a hora que quisesse. O dono tratava bem, porque a gente também dava retorno para ele. Saí do garimpo até mais gordo.

Minha intenção era ficar até o final de dezembro, quando praticamente encerrava as atividades de garimpo, devido a época das cheias. Acontece que eu estava ficando muito desgastado, com aquela pressão psicológica com rotina diária, no meio do rio. E também com os cuidados diários de prevenção contra o mosquito da malária e a sempre citada violência. Só fiquei aguardando quando o gerente fosse embora para eu com ele. Fui embora no início de Dezembro, também para evitar aquela aglomeração de final de garimpagem. Muita gente ganhou bastante, a maioria gastava tudo, com bebidas e mulheres. Pessoal sem noção. E por estarem sem dinheiro e ter que ir embora, surgia os riscos de roubo.

Logo em seguida viajei até Rio Branco no Acre, para conhecer a capital e descansar um pouco em terra firme. Fiquei dois dias lá, depois voltei a Porto Velho-RO, e de lá fui até Manaus-AM de barco. Outra viagem, que está em outro post no blog. Depois retornei para casa.

Aí você me pergunta!! Você voltaria para o garimpo?

Te respondo!! Não, não, e não, foi uma experiência única.

Agradeço de coração e muita gratidão ao meu amigo Wagner que me convidou, ao gerente e sua família que me abrigaram em Porto Velho-RO, e principalmente a DEUS, por ter me protegido de várias situações, e de ter voltado ileso.

FIM

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HELVIO

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